segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Samba-Canção

Lembro como se fosse ontem, por falta de um clichê que melhor descreva a vivacidade de minha lembrança, e tudo o que conto aqui são relatos fiéis e reais. Qualquer eventual mentira ou exagero inapropriado da verdade é meramente para fins de entretenimento do leitor.

Era uma manhã discreta, não fazia sol abundante, tampouco chovia torrencialmente, uma manhã como qualquer outra manhã ignorada por você em sua vida. Apesar de sua humilde simplicidade eu, com cinco anos de idade, não ignorei aquela manhã. Era aniversário do meu pai.
Acordei e fui cautelosa pé ante pé com as meias encardidas abafando o barulho de meus passinhos até o quarto de meus pais. Estavam dormindo. Sorri. Corri o mais silenciosamente que pude até a cozinha preparar um café da manhã na cama para meu pai. Preparei o melhor que meus cinco anos de idade permitiam: bisnaguinha com requeijão e um iogurte de morango. Pra mim era um manjar dos deuses. Com todo o cuidado que minhas pequenas mãos estabanadas podiam ter, fui novamente ao quarto de meus pais, coloquei o pequeno banquete sobre o criado-mudo. Meu pai respirava lentamente em um sono profundo, de barriga pra cima, os braços jogados pra trás da cabeça e fazendo um “quatro” com as pernas enfiadas em sua samba-canção azul. Foi então que vi. Ele já estava lá antes, sempre esteve, mas eu nunca tinha prestado atenção. Nunca tinha o encarado tão de perto, tão frente a frente. Nunca fora forçada a ver a triste e mole realidade que era: o saco do meu pai.

Assustei. Gritei e acordei meu pai a tapas alegando haver um bicho em sua cama. Ele acordou em um salto e quando entendeu a situação, riu. Riu da minha cara, da cara inocente e amedrontada de uma frágil menina, sua filha, que há pouco havia tido a horrenda experiência de contemplar o saco do próprio pai tão de perto.

Como bom homem que era, até tentou me explicar sua função, mas me recusei a entender. Se o homem faz xixi pelo pipi, pra quê raios servia aquela poluição visual entre as pernas do meu pai? Era muito feio. Pensei que se fosse homem cortaria fora aquele pedaço putrefato de pele enrugada. Pedaço putrefato de pele enrugada... eis uma bela descrição para o saco. Não é a toa que a expressão é “Isso é um saco” e não “Isso é um umbigo”, que apesar de ser uma cicatriz inútil tem seu valor e é muito mais esteticamente aceitável.

Enfim, não sei que rumo tomará essa prosa, mas precisava apenar dividir minha experiência com o papel. Ou computador, não importa. Aqui vai um conselho, caso você seja homem e tenha filhos: não durma de samba-canção. E você mulher, policie seu marido, se não quiser que seu filho tenha que expor suas experiências em um relato mal escrito como o meu.

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